sábado, 4 de dezembro de 2010

Ah.

Enquanto você adora os domingos em que tudo se resume ao ópio, estou aqui nessa sala cheia de janelas abertas, mas com as portas trancadas. Parece-me uma prisão, o ar fica estático e é dolorosa cada tragada. Não há vento embora as árvores balancem afoitas lá fora; consigo ouvir o canto dos pássaros e até mesmo o som das folhas caindo no lago raso, formando circunferências - parecem-me teus olhos.
Aqueles olhos simpáticos que não tive, mas me prendiam cheios de intenção mesmo estando tão distantes. Distantes em todos os sentidos da palavra. Aqueles olhos que sabiam exatamente o que sentiam os meus.
Mas já não bastasse tal distância, há todas aquelas tolas coisas em comum; mas fisicamente o que pertence a mim e a ti é justamente esse ar áspero que te toca até o último de seus cachos, e a mim me reprime; esse ar que te preenche e faz bombear esse monte de carne podre que chamamos de coração. Que deveria ser um só, mas são dois, e dois amargurados.
E existem as canções os filmes os livros as histórias os gostos os desenhos as vontades os planos e a incerteza exasperada e progressiva da qual o findar depende de ti só de ti porque sabias do fundo da tua alma sedenta que eu sou tua embora eu ache dizer isso precipitado visto que tu ia retardando retardando retardando o acaso todo planejado dentro de mim do fundo do abismo daqueles mesmos meus - nossos - olhos.

Mas ah, caberá o que há de vir, e tanta espera, experiência e inexatidão me causam o mesmo efeito que a ti, enquanto você adora os domingos em que tudo se resume ao ópio e estou aqui nessa sala cheia de janelas abertas e portas trancadas.