sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Bem-me-leve.

- Nunca diga não pra mim,
eu não vou saber trabalhar, conversar, descansar sem o teu sim -

O meu lorde inglês anda na chuva e ignora qualquer pedido sobre as demonstrações públicas de afeto. É daqueles que pensam demais, que correm atrás, que guardam o beijo na concha das mãos, que abusam dos efeitos sonoros enquanto sussurra absurdos no ouvido do meu coração. 
O meu lorde inglês poderia trazer mil rosas, mas prefere a flor do campo roubada do jardim do vizinho; poderia buscar o mais caro, mas prefere o cachorro quente da banquinha e o chocolate meio amargo comprado na padaria.
O meu lorde inglês tem olhos que sorriem, olhos de estrela, pequeninos assim de um jeito candidamente declarativo, como um prelúdio, uma capa de romance clichê e doce que convida para deslizar os dedos pelas páginas, devagar, sem ignorar sequer a dedicatória.

- Se eu corro, eu corro demais só pra te ver, meu bem
É que eu quero um socorro. -

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Crush on me.

Lá no fundo há uma alma que chora. Soluça, quebra espelhos, desarruma tua cama de solteiro tão perfeitamente alinhada.

             Olho profundamente para ti.
             Tu olhas descompassado aos meus sapatos boneca.

Continuo a te destruir por dentro, tentando manter meus olhos cândidos e fixos; te culpando por tudo, pela minha blusa suja de vinho, pela sua calma sem fim, pelo decoro que ao meu modo quebrei e até pelo ranger das escadas.

Tu sorriste aquele sorriso sádico e ao mesmo tempo de um bom moço inglês, com direito ao teu paletó mais bonito, tua barba bem feita. E falas, falas coisas triviais - o tempo, as pessoas, a tua filosofia declarada e tão bem ensaiada.

Enquanto tu estralas os dedos,
             - Eu mato um a um daquela multidão que o assiste na sala -
e arrumas as partituras,
             - Eu tento arrancar tua gravata, sujar teu colarinho de carmim -
ajeita-se delicadamente no banco, dedilhas uma bachiana qualquer,
          - Eu por fora inerte, ordeno os pensamentos e recomponho-me indo embora, deixando sorriso, piano, vinho e paletó, com o salto boneca nas mãos chamando a primeira charrete que   encontro, apesar dos olhares tortos à uma estranha desacompanhada na noite de lua cheia; o rosto ainda sereno, a calmaria digna-de-salvar-almas, o carmim dos lábios ainda intacto, tais que só se movem para dizer por favor, me leve para casa.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Sobra tanta falta de paciência que me desespero,

Sobram tantas meias verdades que guardo pra mim mesmo,
[...]
Sei lá se o que me deu foi dado ou se é seu.

Falta-me a falta de ar.
Pensar nos círculos concêntricos castanhos
- tão castanhos -
que me fizeram afogar,
que por ventura ou desvario
me disseram ser água turva
e assim tão lindamente castanhos
cansaram de abrigar discrepâncias.

Sobraram as placas de aviso.
A highway é irreprimível, inconsequente,
a estrada é solitária
e não se enxerga o fim da linha.

Mas eu quero enxergar,
- disse-lhe -
eu vou a pé,
ou de joelhos, se assim preferes,
pois eu sei que se cansar-me há de ter mesmo a água turva a mim.

E tinha?

Já dei largos passos sorrindo,
lembrando-me dos tais círculos;
Já fiz o cosmos refestelar-se de balões;
Senti a chuva tornar o ar pesado
enquanto corria, em desespero,
rumo ao que seria o fim da imponente highway.

Não me é claro se era o fim
ou se era um imenso despenhadeiro
ao qual não querias que me atirasse
pois nem tu conseguirias me resgatar,

então eu sentei ao meio fio,
numa curva em que não há placas.
Esperando estou.
E eu tenho sede.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Comme des enfants

Pegaste as mãos dela e com passos não ensaiados e com muita calma tentaste os passos de valsa.
Sabia dançar, ela não; mas como um bom gentleman que és conduziste a senhorita levemente. A mesma sala de espelhos que outrora fora de outros dançarinos agora estava vazia, e ali treinaste com ela todos os movimentos. Tu foste um bom condutor. Apenas.

Et mais il m'aime encore, et moi je t'aime un peu plus fort.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Baby, blá blá blá.

Se não fosse minha boa-mocisse eu diria que há muito gelo pra pouco whisky.

Gelo, ah, o gelo, motivo de tantas crônicas minhas, não poderia faltar meu clichê em mais uma história absurda que nem faz sentido e nem causa tanto impacto assim.
É minha grande mania de guardar coisas antigas, relógios, vinis, livros; e é exatamente aí, aí que o gelo vai ficar. O gelo e a garrafa (cheia), juntos. Porque quando se guarda assim, cheio, as lembranças são bem melhores. E embora eu nem lembre o gosto de whisky eu lembro o do gelo: frio e insípido, passado do ponto de virar lembrança. As coisas boas devem acabar no ponto do bem-querer.
Passou e derreteu. Mas ainda lembro do (não-)gosto.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Trem.

"Te falei de todos os detalhes, do meu ciúmes, da minha paixão, minhas viagens pelos sete mares, começo de um namoro no portão. Te falei dos beijos no cinema, foi só por isso que eu corri demais. [...]"

Inconstante; sim, mas intenso. Inconstante por circunstâncias que você com sua filosofia de vida barata consegue explicar muito bem. Intenso, ora, justamente por ser como é.
Eu realmente não sei definir com outras palavras além destas. Deve ser porque não há razão para definir o que não é concreto, e aqui defino abstrato algo que não é certo, algo que não é feito por um acordo. Algo que simplesmente é, e pela razão de assim ser, torna-se certo. Lendo assim torna-se confuso, mas pra quem vive e se acostuma, a confusão se torna confortável. Ficar nessa zona de conforto pode me trazer um preço caro, mas amigo, eu tentei sair dela por várias vezes, por muito tempo; e sobre você digo o mesmo, apesar de você ter muito mais possibilidade de sair desse comodismo, o que não vem ao caso por enquanto - como eu já disse, a sua filosofia explica totalmente e embora eu não concorde com ela, há certa coerência.
Ocorre que chegamos em um ponto monótono, onde não há escapatória: ou deixa-se estar, um amor perdido, correspondido e ao mesmo tempo platônico; ou um amor que precisa dar certo, obrigatoriamente, por uma convenção que fizemos sem ao menos perceber. E é de tal convenção que surgiu o amor: sem nem sequer um tratado há um acordo de entrelinhas, que por sinal eu cumpro muito bem. E espontaneamente. Só não aceito julgamentos.
A resposta não é dada por mim nem por ninguém.
Há necessidade de resposta?

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O livro azul de letras douradas.

                Chegou atrasado à estação. O relógio marcava seis e meia; os poucos raios de sol laranja poente combinavam com o vermelho do guarda-chuva que vinha em sua direção.
                - Você está atrasado, veja, as luzes já se acenderam, mas ah, assim fica muito mais bonito. Você trouxe pra mim aquele livro de capa azul? Sempre lembro de você quando vejo ele na vitrine, cheio de letras douradas.
                Ele sorriu, a fez desviar das poças da calçada. Chegaram à escadaria da casa dela, ele entregou o livro, deu-lhe um beijo na testa e foi embora, como de costume. Estava visivelmente incomodado, mas ela ficava tão feliz em sua companhia que, eufórica, não perguntou o porquê.
                Ela abriu o livro, tinha seu nome escrito com aquela letra desordenada dele, como uma súplica, uma súplica entre aquelas seis letras.
_____

Na noite seguinte a moça do nome de seis letras foi de novo ao lado da lâmpada, e ela se acendeu. Sentou-se ao lado dela, e entre as pernas da multidão que corria apressada ela o viu entregando outros livros azuis.
O final da história ainda não foi dito.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Dizem que sou louco.

Abriu os olhos. O ventilador do teto girava lentamente, quase num compasso angustiante. Não impedia que a fumaça dos incensos subissem e enchessem o quarto com um aroma sufocante. Era quase um masoquismo, mas gostava de ficar ali, quieto, olhando para o forro azul claro e imaginando o infinito, tentando se recompor, todas aquelas coisas exotéricas. Tentando entender o porquê das coisas serem assim, elafoiemborameuDeusporque?, tentando encontrar um único ponto de lucidez em tamanha loucura.
Ele não tinha ninguém, ele só tinha a ela. Nem ao senhor da banca de jornais aonde comprava seus maços tinha mais, prometi à ela que iria parar, e quase sem pensar já abriu outra carteira e com sua mão trêmula tragou devagar. A fumaça do cigarro se misturava à do incenso e no quarto pairava uma atmosfera impossível de se estar.
Tinha fome. Tinha medo, tinha angústia. Resolveu sair e então desceu as escadas devagar, contando os degraus como se fosse uma criança. Num devaneio ele a viu, os seus olhos marcados de lápis e rímel borrados, o cabelo organizadamente bagunçado, a blusa de lã com uns fios puxados, aquela exatidão de sentimentos no sorriso branco, um sorriso só pra ele, um sorriso que o chamou e ele foi. Foi entre os carros, entre as pessoas, foi recitando aquela frase do livro a cidade está doente você sabe, a cidade está doente você sabe, a cidade está doente você sabe, foi em busca dela. Ela sorriu mais uma vez e foi, quase numa brincadeira, e ele a seguiu, e de repente ela desceu as escadas e estava na plataforma. Pessoas falavam e gritavam e corriam, ela estava nos trilhos do metrô. E houve desespero, e vieram luzes no túnel, e ele também estava lá, com ela, brincando sobre os trilhos; ele nunca a tocara, mas eles se pertenciam.
As luzes se aproximavam. Ele estava feliz. As luzes se aproximaram ainda mais, e ele gritou o nome dela bem alto, ultrapassando a plataforma, as escadas, as pessoas, os carros, a fumaça do incenso, o ventilador que girava. Mas não havia mais tempo.
Ele morreu ali, nos trilhos.
Morreu por ela, aquela do romance que ele sempre relia.