sábado, 1 de janeiro de 2011

Dizem que sou louco.

Abriu os olhos. O ventilador do teto girava lentamente, quase num compasso angustiante. Não impedia que a fumaça dos incensos subissem e enchessem o quarto com um aroma sufocante. Era quase um masoquismo, mas gostava de ficar ali, quieto, olhando para o forro azul claro e imaginando o infinito, tentando se recompor, todas aquelas coisas exotéricas. Tentando entender o porquê das coisas serem assim, elafoiemborameuDeusporque?, tentando encontrar um único ponto de lucidez em tamanha loucura.
Ele não tinha ninguém, ele só tinha a ela. Nem ao senhor da banca de jornais aonde comprava seus maços tinha mais, prometi à ela que iria parar, e quase sem pensar já abriu outra carteira e com sua mão trêmula tragou devagar. A fumaça do cigarro se misturava à do incenso e no quarto pairava uma atmosfera impossível de se estar.
Tinha fome. Tinha medo, tinha angústia. Resolveu sair e então desceu as escadas devagar, contando os degraus como se fosse uma criança. Num devaneio ele a viu, os seus olhos marcados de lápis e rímel borrados, o cabelo organizadamente bagunçado, a blusa de lã com uns fios puxados, aquela exatidão de sentimentos no sorriso branco, um sorriso só pra ele, um sorriso que o chamou e ele foi. Foi entre os carros, entre as pessoas, foi recitando aquela frase do livro a cidade está doente você sabe, a cidade está doente você sabe, a cidade está doente você sabe, foi em busca dela. Ela sorriu mais uma vez e foi, quase numa brincadeira, e ele a seguiu, e de repente ela desceu as escadas e estava na plataforma. Pessoas falavam e gritavam e corriam, ela estava nos trilhos do metrô. E houve desespero, e vieram luzes no túnel, e ele também estava lá, com ela, brincando sobre os trilhos; ele nunca a tocara, mas eles se pertenciam.
As luzes se aproximavam. Ele estava feliz. As luzes se aproximaram ainda mais, e ele gritou o nome dela bem alto, ultrapassando a plataforma, as escadas, as pessoas, os carros, a fumaça do incenso, o ventilador que girava. Mas não havia mais tempo.
Ele morreu ali, nos trilhos.
Morreu por ela, aquela do romance que ele sempre relia.

4 comentários:

  1. merda, essa história de "Ele não tinha ninguém, ele só tinha a ela." acaba com a minha vida. serio. mas dramas pessoais à parte, encantei-me totalmente por este teu post; está cheio de uma vida moribunda e que deseja ser vista.

    ResponderExcluir
  2. Um romance sempre ta valendo não é?!
    Saudades daqui, saudades dos seus tweets, saudades de você querida.

    apareça, gostei do novo layout!

    ResponderExcluir
  3. Uau! Sem palavras, viajei com o texto.
    Impecável, adorei.
    Seguindo aqui.

    ResponderExcluir